quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Olfato

A casa estava toda apagada, uma luz que vinha da varanda e os postes de rua iluminavam aquela bela silhueta. Era noite e ela esperava no portão. Vestia um vestido azul claro, de alças finas, nem curto, nem longo, só era indecente aos olhos de quem pudesse enxergar. Vestido que só acentuava as belas curvas de Bianca, seus seios fartos e as belas coxas, além dos largos quadris. Bianca era linda, pele morena, cabelo castanho escuro levemente ondulado, boca carnuda e belos olhos cor de jabuticaba. Era desejada por velhos, homens,adolescentes e crianças de colo e estava particularmente maravilhosa naquela noite. O cheiro dela era uma bela combinação de sabonete liquido, creme para o corpo, condicionador e um perfume leve. Era um odor parecido com chuva em manhã de domingo. Um carro contorna a praça na frente da casa e estaciona, dali sai Ricardo, vestido como manequim de loja de departamento: camisa social, calça jeans e tênis. Cuspiu o chiclete e veio andando em direção a Bianca, ele não podia acreditar em como ela estava linda naquela noite, sentiu o seu cheiro. Ela, também detectou o cheiro dele: loção pós barba, desodorante, perfume e pomada para acne. Ricardo era um bom rapaz, trabalhador e mais inteligente do que esperto. Tinha cabelos curtos e dentes irritantemente claros e certinhos. E foi assim, nesse circo de cheiros, aromas e perfumes que saíram.
No belo trajeto que o carro fez sem pressa pela orla, puderam conversar coisas amenas e bobas. Livros, programas de TV, musica, cinema. A noite era boa, um vento leve, batia, ela abriu a janela do carro e inclinou a cabeça, parecia feliz. Ele, ainda meio tenso, procurava no fundo dos bolsos um assunto, algo engraçado pra dizer. Não deu tempo. Chegaram num belo e simpático bar na beira da praia. O bar parecia um grande deck, todo em madeira e com belas luminárias, um ambiente intimista e agradável. Ele acertou em cheio na escolha. Era uma noite de verão e a lua a deixava ainda mais especial. Ricardo não tirava os olhos da boca de Bianca, Bianca não desviava os seus olhos dos dele. Entre um chopp e outro, ele imaginou sentir um certo cheiro de excitação por parte dela, ela, nele, sentiu o cheiro da ansiedade, ambos estavam certos. O alcool, a bela noite, a lua e tudo mais, fizeram com que palavras e sentimentos que adormeciam no porão viessem à tona. Vieram junto com os beijos, intensos, sinceros. Ela aproximou ainda mais a sua cadeira da dele, jogou os cabelos para o lado e disse-lhe ao pé do ouvido, com uma voz que arrepiaria o mais troglodita dos homens: “Dorme comigo, meus pais só voltam amanhã”. Ricardo, embora mais inteligente que espertou, sabia que a palavra “dormir” estava totalmente fora de contexto ali. Bebeu de súbito todo o conteúdo de seu copo e pediu a conta, ela riu.
Na volta, o caminho pitoresco passou mais rápido. E logo chegaram no portão da casa, a rua era vazia, as luzes dos postes iluminavam os dois. Entraram, percorreram o jardim. O cachorro já baforava por baixo da porta da sala, ele sentia o cheiro da sua dona e de um estranho. Passaram por ele sem se importar com seus latidos e balançar de rabos. Uma camisa de loja de departamentos lhe acertou o focinho, continuou a persegui-los no trajeto sala/quarto, desviou do vestido azul que veio em sua direção e bateu com a cara na porta. Dentro do quarto todos os cheiros se misturaram, adicionados ao suor, saliva e outros mais. A lua quis ficar pra ver, ou, pelo menos ouvir o que acontecia lá dentro, mas já era hora de ir. De fato a palavra “dormir” foi mal empregada e as 7hs da manhã Ricardo se foi. Foi acompanhado por Bianca- que trajava um hobby- até a porta da sala, um beijo tenro, um “te amo”, um abraço forte. O cachorro o acompanhou até o portão, os três pareciam felizes. Entrou no carro e se foi, na volta o cachorro deu com a cara na porta de novo. Bianca voltou , entrou no seu quarto, fechou a porta, deitou-se na cama e ainda podia sentir o cheiro de seu amado no travesseiro, dormiu feliz. As 10hs, latidos! Barulho, “eles chegaram”, chave na porta, sacolas, cachorro dentro de casa. Os pais de Bianca chegaram, tudo normal, a rotina da casa parecia intacta, até que, ao recebê-los e abrir a porta do quarto, Bianca deixou escapar um cheiro constrangedor, bom, mas totalmente importuno naquela hora. O cheiro de sexo invadiu toda a casa.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Carece de amor e título

O nosso amor é um desses moleques de rua
De vida triste
De alma nua
Um amor que vive à deriva
Sem pai, nem mãe.
Amor mal alimentado
Amor pé no chão
Amor carente de carinho, afago, afeto e pão.
É comum ver nosso amor vagando por ai
Sem ter pra onde ir
A casa dele, desse amor, é a praça
O resto da construção
O nosso amor, dorme em folha de papelão
Tão magro, fraco.
O amor que tem duas camisas
Suja no corpo
Rasgada no varal.
É triste
De causar espanto, dor, aflição
De rasgar o peito, apertar o coração
Mastigar fatos cheio de consternação
Perceber que esta fadado a morrer
Que não é possivel que resista
Vai certamente perecer
Causa mortis: desnutrição.
Esse amor pé no chão
Amor barriga d'agua
Esse nosso amor bicho de pé
Morto, frio e gelado
Pousado no chão.