sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Você, Chico, eu e Maria



Eu era um milhão de pedacinhos jogados pelo chão, eu era um desses quebra-cabeças baratos de peças de papel, vagabundo e difícil de montar. Fiquei assim depois que você se foi, com a desculpa que acabou o amor, que era melhor assim. Enquanto eu tentava me montar pensava no real motivo de nossa separação. Por estar com o pensamento em outro lugar e por ser difícil me recompor, me montar, várias vezes coloquei a perna no lugar do braço e o fígado no lugar do coração. O pior é que quando eu ia à padaria desse jeito, as crianças choravam e velhas evangélicas me repreendiam. Eu estava um lixo!
Certo domingo de sol eu estava sentado na praça com o pensamento longe, certamente em você, quando alguém se sentou do meu lado. Era um amigo, um colega, conhecido, alguém que você vê uma vez na vida na casa de alguém, outra vez na morte, na casa de outrem. Claro que ele não trazia boas noticias, me disse que ficou sabendo por intermédio de uma ex-amiga da irmã de um conhecido, que você era vista por ai acompanhada de um tal de “Chico” e que era muito comum vê-los caminhando naquela mesma praça, sempre no final da tarde. Esse meu “amigo” disse que só havia me contado o fato pois tem um grande apreço por mim e que todos comentavam o quanto eu estava mal com sua partida. Agradeci e decidi ficar ali pela praça, pois mesmo que eu quisesse muito ir embora, eu precisava muito ficar!
Eu sabia que não estava preparado pra te ver com outra pessoa, principalmente naquele dia, pois a combinação de vinho barato, Best of do Cat Estevens e outro homem em teus braços poderiam ser letais! Porém, eu não tinha mais nada a perder e queria ver quem era o tal sujeito. Quando o sol estava indo embora eu os avistei ao longe, caminhando calmamente os dois, perna esquerda juntos, perna direita juntos, numa sintonia invejável. Eu já era o pior dos seres humanos naquela hora, queria que a terra me engolisse inteiro, sofrer autocombustão, ser atingido por um meteoro, sumir! Nada parecia ser pior do que aquilo. Quando, olhando mais atentamente me dei conta de que não se tratava de qualquer “Chico”, não era o Chico da padaria ou o barbeiro Chico, era aquele que tinha um violão, belos olhos verdes e que já tinha comido todo mundo daquela rua, se tratava de Chico Buarque de Hollanda! Segurei meus pedaços e corri pra casa, passei pela porta, fechei-a, desmontei de novo.
Embora não acredite muito nesse lance de signo, dizem que o escorpiano tem um poder sobrenatural de se reinventar, de ressurgir mais forte de tamanha catástrofe, me apeguei nisso enquanto colocava uma orelha no lugar do nariz. “Assim como não há bem que dure, não há mal que perdure”; ”o tempo é o senhor da razão!”; “o castigo vem a cavalo”; “ a vingança é um prato que deve ser servido frio”; “chicotim queimado é muito bom, quem olhar pra trás, leva um beliscão”. Eu já tinha planejado uma vingança e já tinha me remontado da maneira certa, faltando um baço ou um siso, nada que fosse fazer muita falta. E embora eu tenha que aturar um cunhado chato e ter que fingir ter dor de cabeça toda noite, nenhum dinheiro no mundo poderia pagar a cara que você fez quando me viu tomando um chopp com a Maria Bethânia na mesma praça onde te vi com o tal do “Chico” que, diga-se de passagem, já estava comendo por outras freguesias.