terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Bicho de quatro cabeças


     
      Ela tinha o dobro da minha idade, o que lhe conferia uns 22 anos (na época). Cabelos escuros e longos, morena de pele clara e belos olhos. Michele Pfeiffer, num poster, servia como pano de fundo. Coadjuvante, diante da beleza dela. Éramos tão intimos que ela sabia a minha senha de cabeça. Sempre me sorria do outro lado do balcão. Eu retribuia com um sorriso tímido e tentava manter o olhar fixo nela, mas logo desviava. Era amor...
      Com o tempo, fui abandonado o gênero infantil ou pré-adolescente. Me doía passar direto pelo Superman de Donner na prateleira. Troquei Roger Moore por Timothy Dalton na franquia 007. Moore era muito paspalhão, enquanto Dalton explodia tudo sem fazer sequer uma piada. Eu queria paracer mais maduro.
     Abandonei também o catálogo (platina dupla) e me concentrei nos lançamentos (ouro), o que me garantia voltar no dia seguinte. De novo, o mesmo sorriso atrás do balcão. Eu já tinha assistido mais filmes do que qualquer garoto da minha idade.
     Certo dia, ao devolver-lhe a fita, tomei coragem e sustentei meu olhar fixo nos dela. Ela me sorriu, como sempre. Sustentei ainda o olhar e deixei escapar um sorriso torto. Então, o olhar dela tomou ares sérios. O sorriso dela se desfez e me encarou com um tom decepcionado. Disse, numa voz fria:
     -Garoto, você esqueceu de rebobinar a fita!- E virou-se.
Eu esqueci, esqueci de rebobinar a maldita fita! Eu tinha pressa, queria logo que o aparelho cuspisse qualquer idiota como De Niro ou Pacino. Eu tinha pressa.
      -Vai, cospe logo! - dizia pra ele- Eu quero encontrar com ela. Tenho pressa!