terça-feira, 29 de junho de 2010

Na praça

Era um triste e solitário banquinho de praça
Suas cores pálidas e desbotadas nem de longe lembravam
Que um dia ele foi belo e colorido.
Hoje, descascado e feio
Seus parafusos enferrujados.
Aquele banquinho num canto escuro da praça.
Sonhava, sonhava o banquinho.
Sonhava o dia em que certa menina de olhos de jabuticabas
Sentaria nele e descansaria suas volumosas pernas
Depositaria sobre o banco sua bolsa de menina
E pelo peso da bolsa o velho banquinho tentaria descobrir o que
Ela carregava ali dentro, dentro da bolsa, dentro dela mesma.
Apaixonado o banquinho...
Esperava todo o dia, quando pela tardinha, passava a moça
Sempre apressada!
Esperava o banquinho, sol e chuva.
O vento carregava e devolvia todas as folhas da velha praça
E continuava lá o banquinho, solitário, esperando seu amor.

domingo, 20 de junho de 2010

Minha religião

Te amo! E te amo tanto, que te amaria sendo você o que fosse! Se tu fosses uma dessas crentes fanáticas, de saião no pé e cheia de fé, ainda assim, te amaria. E se meu ateísmo convicto fosse um problema, eu aceitaria então, vestir terno, gravata e bíblia.
Andaria por ai, de vigília em vigília ao teu lado e teu “aleluia” me arrepiaria os cabelos da nuca!
Eu viveria da fé em nós dois. E Jesus, morreria de desgosto em saber que eu fui ao pai, não por ele, mas por você.
Aceitaria tua saia longa e essa gola alta. Mesmo assim, mesmo assim, o pouco do teu corpo que se revelasse pra mim, seria de grande valor e eu poderia perder noites de sono lembrando de tuas canelas nuas! Ah essas tuas canelas nuas!

Roteiro antigo

Foi deitado na minha cama com uns onze anos de idade, que eu tive um lampejo, uma dessas idéias raras! Foi uma coisa tão grandiosa, que passei o resto da noite acordado, aperfeiçoando o que seria o meu primeiro roteiro de um grande filme! Na verdade, toda a história nasceu a partir dessa grande sacada que eu tive. Eu julgava minha idéia tão sensacional, que já me imaginava sentado em frente a algum grande executivo da Universal Studios, discutindo sobre o orçamento para filmá-lo, quem atuaria e quem poderia dirigi-lo.
Hoje, alguns anos depois eu posso finalmente revelar o meu grande roteiro.
“Conde Drácula sempre foi um péssimo vizinho! Mal-educado, só perambulava por ai à noite, não freqüentava a igreja e nunca se ouviu de sua boca um: “bom dia”. Mas não eram apenas essas as reclamações em torno do conde. Ele contratava os serviços de empregadas para limpar o seu castelo e depois de ter os seus 37 cômodos limpos (entre quartos, sala de estar, sala de jantar, sala de tortura, sala de orgias, calabouços, etc) as pobres empregadas ainda eram transformadas em vampiras pelo conde e eram então obrigadas por ele a trabalhar no período da noite e o que é pior, sem o abono salarial merecido!
Drácula causava transtornos em qualquer forma que assumisse: Na forma de morcego, ele depenava o pé de ameixa do dono da taverna. Seu hobby preferido nessa forma, era defecar sobre as beatas que saiam da igreja em dia de missa, era comum ver um morceguinho morrendo de rir após acertar em cheio um chapéu caro daqueles. Na forma de lobo ou “cachorro dos infernos” (como era conhecido no bairro), ele comia toda a ração dos cães, além de pisar propositalmente no cimento fresco das calçadas. Era conhecido também por suas extravagantes festas, que contavam com a presença de todos os tipos de monstros e políticos.
Cansados disso tudo, os moradores da pacata, distante e fria Transilvânia resolveram fazer justiça com as próprias mãos! Reuniram-se na taverna e numa votação transparente e justa, decidiram que o jovem Trevor Belmonte (sim, eu roubei esse nome de um jogo de Nintendo. Com onze anos eu nem sonhava o que era direito autoral) seria o escolhido pra matar Drácula. O fato de Trevor ser o mais pobre e conseqüentemente dever muito no jogo do bicho não influenciou em nada os que votaram ali. Bolaram um plano perfeito, o filho do dono da taverna munido de uma grande tesoura, cortou o cabo da TV por assinatura que o conde usava. Minutos depois, vestido como técnico de TV o jovem Trevor bateu na porta do castelo. Drácula parecia irritado, reclamou que pagava em dia suas contas e que o serviço era péssimo, falou ainda que não queria de maneira nenhuma perder o novo filme de seu grande rival, o Lobisomem, que o canal TCM transmitiria naquela noite. Carregando na sua bolsa de ferramentas, alho, crucifixo, uma estaca e água benta, o jovem entrou na residência do príncipe das trevas.
Quando o conde bobeou, o técnico de TV a cabo puxou de sua bolsa um vidro de água benta e jogou na cara do vampiro, que gritou numa voz grave, um grito desesperado de dor.
Nessa hora o intrépido rapaz, sem perder muito tempo puxou uma enorme estaca e partiu decidido a matar o vampiro. Ajoelhou-se sobre o conde que estava caído, puxou a estaca com as duas mãos por trás da cabeça e preparou-se para desferir o golpe, quando então!!!!”
Nessa hora, entraria em cena minha grande idéia, o que me tirou a noite de sono e me fez aos onze anos me sentir um pequeno gênio. Quando o personagem da estaca fosse matar o conde Drácula, faria uma descoberta fenomenal, que deixaria o publico embasbacado e deslumbrado, além de perplexo! O peito do conde, ali, pronto pro abate, revelaria uma pequena marca, que eu ainda não tinha idéia do que seria: uma marca de nascença, vitiligo, um furúnculo mal curado, marca de vacina, mordida de cão... Então o jovem Trevor, descobriria ali, junto com o publico, num momento de grande emoção (eu tinha pensado até na trilha sonora que seria composta por Jerry Goldsmith, que fez um ótimo trabalho na “Profecia”) que Drácula, o cão das trevas, a encarnação do mal, era seu irmão!
Aquele irmão mais velho, que foi embora de casa reclamando de falta de liberdade, coisa de adolescente, o conde sempre foi um rebelde e ter hora marcada pra chegar em casa era o fim pra ele. O jovem descobriria ali ao reconhecer a marca, que se tratava de seu irmão de sangue.
Eu estava animado e dando os últimos retoques nesse grande roteiro, quando percebi, pouco depois, que minha “grande idéia” já tinha sido a “grande idéia” de alguém, muito, muito antes de mim e que hoje se trata de uma coisa totalmente previsível e clichê. Não podemos negar que embora seja uma formula totalmente desgastada, ela ainda funciona e é aplicada religiosamente em todo ultimo capitulo de novela das oito, quando o mocinho descobre que o vilão é seu irmão ou que não precisaria mais viver na miséria, pois o dono daquela grande empresa, também é seu irmão.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Pensamentos...

Ando com um pressentimento estranho, sinto que vou morrer nos próximos dias, e que na melhor das hipóteses, duro um mês! Tenho esse pressentimento há pelo menos uns vinte anos.

Nunca tive pretensão de ser um grande escritor, estilo Manoel Carlos assim. Eu nunca ia pensar em personagens gêmeos, um bem-humorado, outro mal-humorado, um bem vestido, outro largado e com os cabelos divididos para lados diferentes. Achei sensacional isso!

Se Roberto Justos é assim, tão foda no que faz... Porque o programa dele é no SBT?

Na minha adolescência, ver um peito numa revista ou na TV era coisa rara! Hoje, qualquer criança pode digitar “zoofilia” no Google.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Reflexos de fogão

Ontem, descobri que cresci, só ontem. Há alguns anos atrás, que me parecem décadas ou séculos, na verdade, parece que foi em outra vida, quando pela noitinha logo depois do dever de casa eu costumava me sentar em frente ao fogão. Encostado na parede e tagarelando sem parar, eu via perfeitamente meu rosto de moleque refletido no vidro do forno. O rosto que eu via era de um desdentado e sempre curioso Lucas.
Então, o tempo sempre cruel, passou e passou. Sem se importar com tudo o que passa junto com ele. E tanta coisa passou com ele, passou a panela, a conversa, o café quentinho, o dever de casa e a própria mãe que cozinhava ali, também passou.
Ontem, milênios depois disso tudo, ao requentar um café de anteontem, sentei de novo em frente ao fogão. Instantaneamente toda a memória daquele tempo voltou à minha cabeça. Mas o que eu vi, não era mais um moleque curioso e risonho. O que eu vi e que me deu a total consciência da minha velhice, não foi um rosto de homem velho e carrancudo, foi a falta de um rosto! O que eu vi em frente ao fogão, foi um pescoço... e só!