sexta-feira, 26 de agosto de 2011

É de estimação



Essa vontade de rasgar o peito
Me acompanha desde cedo
É dor que não leva nome não
Justamente por não ter definição.
Crescemos juntos
Já que ela, me acompanha desde criança
E hoje, tem o dobro do meu tamanho.
A minha dor, é de estimação
E não a mordaço
Nem a censuro
Encaro de frente
Em cada "tic-tac" do relógio
Em cada dia que me arrasto.
A minha dor...
Teimosa dor...
É de estimação
Vez ou outra tem fome
E grita dentro de mim
Me devora sem que eu proteste.
Come, de cinco em cinco minutos
Um pedaço de mim.

domingo, 21 de agosto de 2011

Chinelos



Quando eu abro os olhos, encaro um teto feio de tijolos. É cedo, tão cedo, que até os fornos das padarias dormem. Apoio o dedo sobre o despertador e num movimento mecânico, o calo antes que ele desperte. Minha senhora se vira pra mim, também num movimento mecânico e numa mistura de amor e rotina, me beija a testa. De volta ao seu travesseiro ela tenta recolher vestígios de algum sonho bom.
Enquanto me arrumo, a chaleira geme baixinho, requentando um café de ontem. Ele desce como lava, num estômago apressado e mal-jantado. Pego mochila, cigarros, marmita, palavra-cruzadas e saio.
Sobre a soleira da porta, ao lado de meu sapato triste e gasto, um chinelinho rosa me pede um afago. Retorno e entro no quarto da menina. Me sento devagar em sua cama e a observo dormir. Meu carinho bruto, numa mão pesada de massa a acorda assustada.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Só os egoistas se apaixonam


Indiferente a tudo o que é dito perto da lousa, João observa Bianca pelo canto do olho.
João é um adorador de ruídos em altos decibéis (algo que ele chama de musica) e além de sua paixão por Bianca, também é apaixonado por carros. Sempre em seus devaneios ele imagina como seria ter a moça ao seu lado. Fantasia a felicidade de Bianca ao estar com ele dentro do seu carro, de ouvir musica muito alta e ainda tentar conversar! Falar sobre tamanho de rodas e descobrirem juntos a melhor cera para polimento...
Bianca, atenta a tudo o que diz o professor, tem pouco tempo para pensar em Augusto. Pouco é o tempo que ela compartilha com ele, apenas no ponto do ônibus, pela manhã.
Augusto (a quem Bianca chama em seus sonhos de Carlos, pois ainda não sabe seu nome) é sério, e sempre de fones no ouvido. "Deve ser algum curso de inglês o que ele ouve ali, ouvi dizer que é um ótimo método" pensa a jovem sonhadora ao observar Augusto. Bianca já consegue enxergar os dois juntos na biblioteca discutindo filosofia. Cada um com seu pensador preferido. Entre uma discussão e outra, ela deita a cabeça no ombro do rapaz...
Augusto, que pega o mesmo ônibus que Bianca todas as manhãs, trabalha numa fábrica e ouve heavy metal, sempre a mesma banda. Sua música foi apelidada no trabalho de "bate-estaca". Augusto é trabalhador e sério. Adora a hora do almoço, quando se senta de frente para Sheila e timidamente observa seu belo corpo. Os cabelos, as coxas, tudo. Ele imagina o que ela veste por baixo daquela roupa bem comportada. "Uma calcinha minúscula" é tudo o que ele pensa. Sheila, na verdade é adepta da cueca "samba-canção".
Eu, te imagino chegando na minha varanda, com teu passo leve e cabelos soltos. Traz numa das mãos uma garrafa de café bem doce e na outra mão poemas de Quintana. Deitas no meu colo e enquanto eu mexo nos teus cabelos, você me diz, o quanto gosta dessas idiotices que eu escrevo.

Só os egoístas se apaixonam...

sábado, 6 de agosto de 2011

Designação



Era medo da danação?
Era designação?
Era a falta do pão?
Era uma biblia na mão?

Quando perdeu o emprego
Chico viu-se em aflição
Fitou o moleque no berço
Faltou-lhe o chão

Era medo da danação
Coisa superior
Era designação
Simples homem do interior

Numa garagem empoeirada
Viu a cura do ócio
Propagar a palavra
Começar próspero negócio

Pequeno amplificador
Boca no microfone
palavra contra a dor
Resposta para a fome

Bater ponto é ultrapassado
Gritar o nome de Emanuel
Abraçar o irmão ao lado
Garantir o aluguel

Desempenhar multi-funções
Limpar letreiro
Decorar algumas orações
Desconfiar do tesoureiro

Chico é homem mudado
Anda pensando em televisão
Usa terno caro
Vem na próxima eleição

Era designação?
Era medo da danação?
Era falta de pão?
Nada...
Era falta de imaginação.