domingo, 27 de maio de 2012

Vazio é prato cheio


Bato na mesa, com a certeza de quem mente
Deixo escapar uma mágoa pelo canto da boca
Um chiado baixo
No lado onde me falta um dente.

Péssimo ator esse na minha frente
Finge tão mal uma preocupação:
"Que lhe maltrata o coração?"
"Nada sério, que atormente"
"Conta, porque anda descrente?"
"Não é nada, juro. É esse tempo louco, ontem frio, hoje tão quente".

Alguém encheu o copo
Alguém entortou o corpo
A fumaça encheu o olhar
Eu me enchi de vazio
E o vazio encheu o lugar

Riem tanto que uma hora a risada fica gasta
E todo riso se cala, perde a graça
Tudo superficial
Tão superficial
Como essa mosca na cachaça
A moça nua no jornal.

Súbito arrepio pela nuca
A culpa, a desgraça
algo que amordaça
Silencia tudo, fica frio...
Porém, quebrado o silêncio, tudo passa
Ouvi gritos e berros
Alguém apanhou feio
"Tinha carta na manga e ai é trapaça!"

Estrangulo o riso
A moça me olha desconfiada
"Nunca reparei muito na sua cara, ela é assim, meio torta"
Faz cara (ainda torta) de quem pouco se importa...

É minha hora, é hora morta
O dono ja se mantém de pé pela porta
Uma última olhada no espelho vomitado do banheiro
Não me falta nenhum pedaço, sou um lixo, mas inteiro
Um último galanteio:
"Boa noite senhoras, boa noite cavalheiros".

Procuro meu chapéu e descubro então, que nunca tive um.
Uma olhada pro céu
Outra pro chão e então, uma oração:
"Nossa senhora dos bêbados
Que eu tenha um sono macio e justo
Na minha cama de tijolos".

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Memórias de um vampiro


Dentes afiados num sorriso amarelo
Cabelo penteado pra trás
Capa, roupa preta e pesada
Longe de alho,estaca e martelo

É certo que carrego em minhas costas alguns séculos
Ja escalei paredes de donzelas
Tomei vinho caro
Ja fui brisa, mora?
Ventania!
Maremoto!
Ja fui cão
Ja mordi e me deixei morder na mesma proporção

Aproveitei bem a adolescência
Minha e de muitos
Frequentei a "high-society"
Só entrava onde era convidado
É certo também que fui expulso com alho
Água benta de namorados ciumentos

Eu ja fui! E isso, ja foi...
Hoje, minha roupa é motivos de piada
Meus sapatos
Minha capa
Torrei toda a fortuna dos Vlads
Em jogatinas e quebra de bolsas
Trocas de moedas e inflação
Precisei vender toda a minha coleção dos Beatles
O melhor do verão romeno 67

Hoje, ouço Cleopatra Stratan
E moro de favor na casa de um tataraneto de igor
Trabalho numa fábrica
Sou assalariado e bebo vinho barato
Carrego um morcego dentro da carteira
Não condeno mais ninguém a vida eterna
Desanimei
E a única coisa que transmito é herpes
Não vejo a hora da eternidade passar.