Deitado no sofá, Zé era o retrato do abandono. Barba por fazer, roupa de dois dias atrás e macarrão instantâneo agarrado nos cabelos. Aliás, macarrão instantâneo e salgados de bar eram as únicas refeições possíveis, desde que Joana, sua esposa, havia partido. Joana estava na casa da mãe, que ficava no interior, a alguns quilômetros do sofá de Zé. E a “jararaca”, que era como seu genro a apelidara, fazia jus a tal apelido. Pois fez a cabeça da filha para que deixasse Zé depois que ele perdeu o emprego. Ela dizia que aquilo não era homem! Não tinha um emprego decente, não tinha um carro decente, um nome decente! E que amor... Isso era coisa de filme. Joana, sempre submissa as ordens da mãe, se foi.
Com o coração apertado Zé sofria sozinho em casa. Não saia na rua, evitava a luz do sol, o rádio, evitava se olhar no espelho. Evitava principalmente o quarto, onde a imagem de Joana se fazia absurdamente presente e o armário vazio era a imagem da morte.
Fazia uma semana de solidão e pelo andar da carruagem, Zé não duraria mais dois dias. Se não morresse de tristeza os salgados de Tião (dono do bar) o fariam. Então ao por uma jaqueta surrada antes de sair em busca de alimento, futucou as mãos num bolso escondido na parte de dentro do agasalho a fim de procurar alguma nota perdida. Puxou um guardanapo esquecido, numa letra apagada um singelo: “Te amo” escrito por sua esposa. Sua visão embaçou e logo molhou o papel com seu choro. Zé trincou os dentes e brigou com Deus, gritou e amassou o guardanapo. Então foi até o banheiro e se olhou no espelho. “Acabou” ele disse. “acabou o drama! Acabou a dor e a covardia!” bradou como um guerreiro desses de filme. Fez a barba, tomou banho e colocou a camisa que ganhou da mãe em seu casamento. Pegou a chave do Fusca e saiu!
Dirigiu até a casa da sogra e parou devagar no portão, tentou não fazer barulho, mas o motor de seu fusca era bem explícito em seu trabalho árduo. Caminhou até a porta da cozinha que se fazia entreaberta. Não conseguia ver nada, porém ouviu bem o que sua sogra dizia sobre ele. Aguentou tudo o que a velha dizia, quando palavras como: “manézão” e “bobalhão” formam proferidas pela cobra, Zé encheu-se de ira! Afastou-se, meteu o pé na porta a fim de causar impacto. E causou! As dobradiças enferrujadas daquela velha porta não agüentaram o chute e toda a porta veio abaixo fazendo um barulho estridente de madeira e ferro no chão.
Zé hesitou por um momento sob o portal da casa, então entrou imponente. Puxou a camisa de botões pela parte de baixo e estufou o peito, nesse momento a camisa mostrou-se aberta na parte de cima e num peito branco e magro um único fiapo de cabelo se revelou. Joana que estava na mesa separando feijões ficou pasma com a atitude surpreendente do marido e a sogra estava de pé, próxima ao fogão. Quando a velha ergueu a colher de pau e se preparou para exculhambar o invasor, ele disse em uma voz gutural: “Cala a boca!”. Na mesma hora a velha, que desde criança sempre se mostrou “mandona” e que gritava com todas as outras crianças, namorados, marido e filha, calou-se. E aquele grito foi tão imponente que fez a sogra de Zé sentir certo arrepio na nuca e ter partes esquecidas pelo tempo, levemente lubrificadas.
Joana parecia não acreditar naquilo, naquela cena de filme. Parecia não acreditar que seu príncipe arrebentara a porta e tinha um fusca do lado de fora à sua espera. Zé caminhou até a mulher, segurou suas mãos, olhou dentro dos olhos dela e disse: “Te amo mulher! Pega tuas malas, vamo comigo!”
Joana levantou-se da mesa e foi logo pegar as coisas dela, enquanto a mãe, recobrando o juízo, ou a falta dele, danou a berrar como louca! Tanto Zé como Joana ignoravam as ataques malvados da velha, que carregava a panela de arroz e tentava convencer a filha de que era errado, que amor é coisa de filme.
Foram juntos até o carro, colocaram as roupas no banco de traz e entraram, ainda com os protestos da mãe. Zé perdeu ainda uns minutos tentando fazer seu carro pegar e a sogra nesse tempo perdia a voz, já rouca. Saíram cantando pneu e deixando uma nuvem de óleo queimado na cara da sogra, que ainda berrava do portão.
Se foram felizes para sempre, não sei. Se foram felizes até onde o carro de Zé agüentou, também não sei. Se tiveram filhos não sei. Não sei de mais nada. Eu fiquei aqui, antes da curva, e vi o carro de Zé sumir entre a fumaça.
Estou realmente impressionada como a sua escrita evoluiu... Uma espécie de " inveja boa " me tomou agora! Agora eu tenho a certeza! Me superou! Rs! E merecidamente! Que orgulho eu tenho de você! Nossa! Orações muito bem contruídas... As imagens realmente aparecem na cabeça do leitor quando se lê, e ele se sente preso até o fim do conto! Meus parabéns! Continue assim ... Quero o meu livro autografado! Lindo! Lindo! Muita maturidade do teu escrever! Precisava dizer isso!
ResponderExcluirBjs no coração!