quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cicatriz

Quando só existia a televisão da sala
Num tempo em que só se buzinava por cordialidade
Antes de me maravilhar ao assistir o funcionamento de uma torradeira
Antes disso tudo
Eu ja era uma folha no chão
Uma das primeiras a me desgarrar ou, ser jogada da árvore
Muito,muito antes do inverno
Fui carregado de um ponto ao outro
Varrido, guardado dentro de um livro
Eu assiti com um aperto no peito e um grito mudo
O fim de todos os cataventos
Dos apertos de mãos e abraços
Gastei por avenidas e ruas estreitas, todos os meus sapatos
Andando dentro e fora de mim
Em lugares que ainda tenho medo de ir
Bebi litros de Merthiolate e Mercúrio cromo
Procurando sarar, amenizar uma dor meio teimosa
Uma vez a vida em sua cretinice vulgar, cismou em me lavar a alma
Fui lavado, centrifugado, batido e torcido por grande máquina de dentes afiados
Ja berrei e fui censurado pela ditadura de papai e mamãe
Fui torturado e massacrado por crianças maiores que eu
Nunca obtive êxito em qualquer tipo de jogo
Guardo todos os meus amigos do tempo da escola
Ainda guardo, num antigo gravador dum canto empoeirado da memória
A voz de todos eles, seus risos, algum choro
Hoje, não me vejo nos olhos da maioria deles
Eu, sou uma coisa magra, fraca, "esmirrada" e triste
Debaixo desse monte de cicatrizes

Nenhum comentário:

Postar um comentário