segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Aconteceu num bar

Era um bar, mas também era lanchonete, sorveteria, restaurante e mercadinho. Tudo no seu devido horário é claro. De manhã, trabalhadores podiam tomar seu pingado junto de pão na manteiga enquanto assistiam o noticiário matinal na TV de 14 polegadas. Podiam também almoçar nos fundos do “bar”, onde era servida comida caseira de qualidade. A tarde era vez de a criançada consumir sorvetes e guloseimas, e a noite o clima de boteco era assumido, com grandes discussões filosóficas, futebolísticas e não raro, a novela das oito entrava em pauta. O dono do bar era um senhor simpático e bem-humorado, ele dividia seu tempo no balcão e nos fundos, onde era sua casa, apressando sua senhora sempre atarefada entre grandes panelas e salgadinhos.
E foi num domingo, quando o movimento no bar era pouco (na verdade não havia ninguém além de seu dono) que ele apareceu. Um rapazinho tímido, poucas vezes visto naquela pacata vizinhança apareceu. Ele vestia uma roupa obviamente escolhida pela mãe: camisa social, uma calça jeans super moderna com alguns apetrechos e mais uns zíperes opcionais e um sapato engraxado ao extremo. Eram exatamente 14h37min quando ele apareceu e ficou parado na porta do bar, como quem tem de ser convidado a entrar. E de fato, após algum tempo ali, parado, o dono do bar gentilmente pediu para que ele entrasse. Entrou cumprimento o sujeito baixinho atrás do balcão e sentou-se reto na cadeira. Pediu uma coca. O rapazinho ficou por algum tempo bebendo de maneira econômica sua coca e olhando para a TV, porém parecia inquieto e com o pensamento muito longe dali. A reprise de algum jogo do campeonato europeu passava naquela hora e um pouco incomodado com aquele silencio todo o homem atrás do balcão puxou assunto com o rapaz, este, aliviado se mostrou mais falante do que parecia. Conversaram então sobre futebol, filmes, musica da moda e novela das sete (que era a preferida do rapaz).
Depois de retornar ao silencio, que durou mais algum tempo o jovem revelou que tinha um encontro naquela tarde, que estava nervoso, que suas mãos suavam, além de sentir certa agonia boa no peito. O experiente dono do bar ficou feliz pelo rapaz e olhou contente para o belo dia que fazia lá fora, como se a situação completasse a beleza sutil daquela tarde de domingo. Logo depois ficou receoso com o horário, pois já passavam das 15hs. Então zapeando pelos canais da TV acharam um filme com grandes explosões e lutas, o que manteve suas atenções presas por algum tempo. Depois (em torno de 15h25min) o experiente senhor temeu por seu novo e simpático companheiro: “Será que ela vem mesmo?” se perguntou. Sentiu-se envergonhado e achou melhor não perguntar ao rapazinho, mas nessa hora estava visivelmente ansioso, assim como o jovem.
Enquanto o jovem bebia em goles homeopáticos a sua segunda bebida (dessa vez guaraná), o senhor foi até a porta, olhou em torno da praça, apenas algumas crianças jogavam bola e um bêbado dormia com a cabeça jogada pra trás num banco. Ficou com o coração pequeno então e voltou com passos ainda menores para trás do balcão. Evitou olhar para o rapaz e encarou severamente a televisão. Balançava as pernas de cima de seu banco de madeira e roia as unhas, nessa hora o jovem tinha a cabeça baixa e brincava com as marcas molhadas em cima de sua mesa. Aquilo foi demais para o coração do velho, que decidiu por fazer algo que abominava e que era impensável de ser feito num domingo, fazer algo que como ele mesmo definia: “era contra sua religião”. Muniu-se de vassoura, escovão e sabão e decidiu lavar o banheiro! Era impossível para ele acompanhar a agonia daquele menino, que provavelmente ficaria ali, a tarde toda, sem que aparecesse ninguém. Foi em direção ao banheiro com lágrimas nos olhos e sofria pelos dois naquela hora. Passou pelo rapaz sem dizer nada e se encaminhou para aquela tarefa árdua, porem, melhor do que acompanhar o sofrimento do novo amigo.
Quando estava na porta do banheiro, apareceu sobre a soleira da porta da frente, tinha cabelos à altura dos ombros, era castanho escuro e com cachinhos. Olhos cor de mel e um rosto que parecia ter sido esculpido a mão por talentoso artesão. Tinha um sorriso encantador, usava aparelhos e um vestidinho azul com borboletas brancas, linda! Era linda e sorria para o rapaz. Enfim, havia chegado. Eram exatamente 16hs e ela não chegou nem um minuto antes e nem depois do combinado, eram 16hs em ponto.
O dono do bar sorriu aliviado, aliviado por ambos! Largou esfregão, sabão e vassoura, desligou a TV, ligou o rádio na estação mais romântica da tarde e sentou-se na parte de fora do bar, a fim de dar alguma privacidade ao casal. Olhou para o sol, encarou o bêbado e o cumprimentou. Sorriu feliz então. As “mãos suadas” e a “agonia boa” fizeram o rapaz sair muito mais cedo de casa.

Um comentário:

  1. Um bar

    Um bar...
    Um lugar-comum.
    Efeito coca-cola e rum
    O torpor das tardes amenas.

    Um par de pernas...
    E belo cacheado.
    Um rosto roseado
    Marcado a duras penas.

    Até que o rum, a tarde, as pernas e o rosto
    Se uniram em um bem só
    E foi tão grande aquele instante

    Que em um só gole
    Em um pôr-de-sol de fim de tarde
    Eram amantes cravados de diamantes.

    (Cintia Luando)

    ...

    Que belo conto!
    Que bom te ver escrevendo assim...
    Tão senhor de suas palavras. Senhor de si mesmo.
    Que orgulho eu tenho de você!!!

    Bjs no coração menino!!!

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