domingo, 15 de abril de 2012
Pedro e Marcelo (final)
Foi difícil voltar pra casa, foi difícil encarar o rádio de pilhas, a mesa de jantar, a caixa de ferramentas, as roupas no armário. Pedro se sentia como uma casca, algo oco, sem sentido. Deitava em sua cama e chorava por horas com a cabeça no travesseiro, apoiava-se na fragilidade da mãe, tão franzina e fraca como o próprio filho. Sentados no sofá da sala, acompanhados pelo “tic-tac” desesperado e angustiante do relógio.
Aos poucos, os ponteiros lentos do relógio da parede foram colocando as coisas no lugar: a casa abriu as janelas, o sol entrou de mansinho, ouviu-se o movimento na rua, tocou uma música boa no rádio. Cansado da janela e da TV, Pedro decidiu andar, só andar, não muito longe, andar pra chegar em lugar nenhum, andar! Saiu com passos lentos e inseguros, atravessou a rua e continuou andando, olhava sempre pra baixo. Mirou dedos vazando de uma sandália e colidiu em algo fofo, olhou pra cima e viu um enorme rosto rosado, ainda maior pela lente de seus óculos. A curiosidade de Berenice torturava o pequeno. Pedro nessa hora era uma dessas xícaras de café cheia até a borda, que você sabe que vai derramar enquanto leva a boca. E ele transbordou, lembrou do pai, de toda a dor, da saudade. Saiu correndo enquanto Berenice ainda perguntava todo tipo de coisa. Correu, correu até o campinho, queria sumir. Parou debaixo da jabuticabeira, abaixou a cabeça e colocou as mãos no joelho, tentava respirar e tentava não chorar, a asma só dava chance para uma coisa de cada vez e ele decidiu respirar. Engoliu o choro e encostou na árvore. Reconheceu os cabelos dourados de Marcelo sob o sol, no campinho, lá em baixo. Marcelo viu o amigo em pé em baixo da jabuticabeira. Os dois se observaram de longe por um tempo.
O céu estava colorido de pipas, lentamente a pipa de Marcelo pousava, enquanto ele enrolava a linha sem pressa. “Desculpem, mas eu preciso ir” disse sua pipa as outras, e desceu. Colocou pipa e carretel no chão e foi andando em direção ao amigo. Subiu o caminho de pedras sem pressa nenhuma, parou por um estante, olhou pro céu como se observasse as outras pipas, fez uma cara séria como se analisasse a competição, tapou o sol com a mão sobre a cabeça. Voltou então a subir o caminho até a jabuticabeira, agora olhava os próprios pés. Parou a certa distância do quatro-olhos e esboçou um sorriso, logo voltou atrás e fechou a boca subitamente! Imaginou que não era legal sorrir naquela hora. Abriu a boca e tentou dizer algo, fechou. Abriu a boca e fechou novamente, não sabia o que dizer. Pedro apenas olhava. Marcelo coçou a cabeça, tinha a boca contorcida. Então, se aproximou de Pedro, olhou através dos óculos, olhou bem nos olhos do pequeno, tinha um rosto sereno nessa hora. Marcelo enrolou os braços em volta do amigo de uma maneira desajeitada, bruta, era a primeira vez, em 11 anos que ele abraçava alguém. Abraçou forte, quase sufocou o pequeno. Marcelo abraçava ali a Pedro, abraçava a mãe que perdeu ainda bebê, abraçava o pai que nunca conheceu. Pedro foi forte e pela primeira vez na vida conseguiu administrar o choro, a asma e um abraço sufocante. Marcelo voltou os braços pra junto do corpo, sentia-se envergonhado e aliviado “é bom abraçar” pensou. Deu um tapa no ombro de Pedro e disse: “É muito viado mesmo”. Pedro riu.
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