domingo, 8 de abril de 2012

Pedro e Marcelo (parte 3)


Fez o caminho de volta pra casa mais rápido do que o habitual e pisava em poças, naquela segunda-feira que amanheceu chuvosa, de tempo fechado e dentes cerrados. “O que houve com aquele quatro-olhos” perguntava-se Marcelo. Em frente ao portão do pequeno, pode perceber que a casa não havia acordado para o novo dia, tinha janelas e portas fechadas, como olhos que dormem demais e boca que guarda algum segredo. Peregrinou durante os dois dias seguintes em frente a casa, que assim como o tempo, permanecia fechada. Finalmente, na quinta, enquanto Marcelo esperava em frente ao portão do amigo, pés que vazavam de uma sandália vieram em sua direção. Ela tinha a cara gorda e rosada, cabelos embaraçados numa mistura de tinturas, vestia um vestido florido que mais parecia uma imensa cortina e quando Marcelo a encarou, percebeu que o rosto daquela mulher ocupava todo o seu campo de visão. Dona Berenice fez um longo interrogatório, perguntou o que ele fazia ali, desconfiou. Logo depois, desarmada pelo olhar triste e sereno de Marcelo, Berenice franziu a testa e torceu a boca, disse então em tom ameno:
“-Pedro não volta tão cedo, foi pra casa de uma tia no centro, seu pai esta muito mal no hospital, teve um mal súbito o pobre homem. Culpa dos excessos com o cigarro! Nunca fume meu filho, nunca fume!”
Marcelo se perguntava o que “excesso” e “mal súbito” queriam realmente dizer, mas pode constatar pela dificuldade das palavras, de que se tratava de algo sério. Foi pra casa.
Pedro tinha no pai, o maior de seus heróis. Gostava de deitar do lado dele toda noite após o jantar para ouvir rádio. Ouviam o noticiário noturno e debatiam as noticias, ouviam também o programa de humor e riam alto das mesmas piadas requentadas. Por vezes eram repreendidos pela mãe, que tentava assistir na sala a sua novela, isso tornava ainda mais divertido aquela bagunça toda. Pedro corria na caixa de ferramentas e buscava o alicate, depois, voltava correndo atrás de um fusível, era um ajudante exemplar de seu pai, que consertava todo tipo de coisa. As vezes procurava na caixa por ferramentas de nomes complicados e estranhos, ria sozinho ao descobrir, depois de um tempo considerável, que elas não existiam. Ria ainda mais ao ouvir as gargalhadas do pai, que sempre pregava peças assim nele. Eram amigos, grandes amigos.
Na casa da tia, o pequeno vivia na janela observando os carros. Tentava tirar da cabeça tudo o que aconteceu no domingo a noite, quando viu que o herói da casa clamava por ar e apertava o peito com as duas mãos, tinha nos olhos uma expressão grave. A mãe passava a noite no hospital e quando estava em casa, tentava amenizar a situação, dizia que ia ficar tudo bem e que logo tudo voltaria ao normal. Numa tarde, a mãe de pedro não apareceu na casa da irmã. O pequeno estava na janela quando a tia atendeu o telefone, enclinou a cabeça pra ver se conseguia ouvir algo . Ouviu só o silêncio, o silêncio mais desesperador que se pode ouvir, não conseguia nem mais ouvir os carros lá fora, pensou ter perdido a audição. Tinha o coração pequeno nessa hora e a cada passo que a tia dava em sua direção, sentia o coração diminuir ainda mais. Soube então que a partir daquele dia, nada seria como antes e que nada voltaria ao normal...

(continua)

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